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Criança de costas lendo livro em braille

O OLHAR DE QUEM NÃO VÊ

Os relatos de três pessoas com deficiência visual em meio à sua vida pessoal, profissional e estudantil na cidade de São Paulo

A cidade de São Paulo é formada por pessoas de todos os lugares e jeitos. A rotina pode, muitas vezes, ser agitada e conturbada. Em meio ao nosso dia a dia, observamos as pessoas ao nosso redor e nem nos damos conta das dificuldades enfrentadas por cada uma delas, sejam pessoas com deficiência ou não

REPORTAGEM  Joana Teixeira

IMAGENS  Joana Teixeira

ARTE  Joana Teixeira

Quando saímos de casa para realizar as tarefas diárias, é comum nos deparamos com calçadas irregulares, esburacadas ou cheias de lixo. Começar em um novo emprego, ir às compras ou estudar para uma prova podem parecer tarefas simples e banais. Para a maioria das pessoas esses são os pequenos desafios da vida cotidiana, facilmente contornáveis, mas para as pessoas com deficiência visual estes podem ser grandes obstáculos.

 

Para essa parcela considerável da população, andar na calçada, trabalhar e estudar podem ser desafios gigantescos. Será que fazemos realmente ideia dos desafios enfrentados por essas pessoas?

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A SUPERAÇÃO DAS ADVERSIDADES

João Maia perdeu a visão com 30 anos de idade devido à uma inflamação ocular de alto grau chamada uveíte bilateral. A doença o deixou totalmente cego do olho direito e com uma séria lesão no nervo óptico do olho esquerdo, fazendo com que ele tenha a percepção de vultos coloridos e desfocados em até um metro e meio de distância. Antes de se tornar deficiente visual, João foi, por sete anos, atleta de arremesso de peso e lançamento de dardo e disco. Hoje, aos 44 anos, é fotógrafo e vive no bairro do Belém, localizado na zona leste da cidade de São Paulo. 

 

Depois que João Maia perdeu a visão transformou a fotografia, que antes era hobby, em profissão. Inspirado pelo fotógrafo esloveno Evgen Bavcar, que também é cego, ele percebeu que o melhor jeito de viver seria fotografando. “Você tem dois caminhos: aceita que se tornou cego, para que você possa viver melhor, ou você fica em casa com depressão, com as pessoas tendo somente pena de você”, diz Maia.

Registro de João Maia de uma indígena com um arco e flecha
Registro de João Maia de um atleta paralímpico saltando
Atleta paralímpico de corrida em uma prova.

Alguns dos registros feitos pelo fotógrafo João Maia, que fez de seu hobby uma profissão.

MUDANÇA DE HÁBITOS

Eliana Nice Coelho tem uma história um pouco diferente da de João Maia. Cega desde o seu nascimento, por conta de uma lesão em seu nervo óptico, o problema decorreu do efeito colateral de uma vacina contra a varíola que sua mãe, Nice, tomou quando ainda estava grávida. Hoje aos 56 anos, Eliana trabalha com massoterapia em sua própria casa, onde vive com o marido, seu filho e sua mãe, no bairro do Ipiranga, zona Sul da capital paulista.

 

Antes de se casar e até mesmo começar a fazer massagens, Eliana trabalhou por cinco anos e meio em uma fábrica de automóveis, na área de produção. Anos depois, engravidou e decidiu que queria ficar em casa e acompanhar todas as fases do crescimento de seu filho Glauber. “Mas quando ele completou 12 anos decidi que precisava arrumar algo, então comecei a fazer cursos. Fiz primeiro o de shiatsu e depois o de drenagem linfática”, relembra. Para ela, a massagem é algo que a deixa feliz, pois faz com que ela perceba a mudança na vida das pessoas, tanto no que diz respeito ao físico como também ao psicológico.

 

Glauber se lembra da infância que teve com sua família de uma forma tranquila, igual a de seus colegas. “Pra mim sempre foi muito normal. Eu nunca tive uma experiência com pais que enxergassem, então pra mim sempre foi muito natural. Talvez quando eu era pequeno estranhasse algumas coisas dos outros pais e não dos meus, porque minha referência sempre foi essa”.

 

VONTADE DE CONHECIMENTO

Diagnosticado com glaucoma congênito de causa desconhecida, João Vitor Domingues nasceu em Nova Granada, cidade que fica pouco mais de 500 quilômetros da cidade de São Paulo. Quando criança, realizava atividades normais para a sua idade. O mesmo ocorria durante a adolescência, ainda que o problema de visão já se fizesse presente desde o seu nascimento. “Eu enxergava uns sessenta, setenta por cento. Mas eu andava de bicicleta, praticava atividades rotineiras de forma normal”, lembra.

 

A rotina de brincadeiras misturava-se a uma rotina diferente para a maioria das crianças. Desde o seu nascimento, João Vitor realizou diversos transplantes de córnea, mas acabou perdendo totalmente a visão de repente, quando estava no início do ensino médio. “Fiz a cirurgia, mas a retina ficou muito danificada e no mesmo dia eu perdi a visão”, conta, relembrando dos momentos em sua infância em que perdia a visão por alguns meses e após um tempo ela retornava. “Eu perdi a visão no primeiro ano do Ensino Médio, bem quando a gente começa a pensar em vestibular, universidade, em como e onde estudar. Mas depois de uns dias eu me recompus: “é isso, eu vou ter que viver assim”.

 

João Vitor conseguiu terminar o ensino médio em sua cidade e veio para São Paulo estudar psicologia na Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP). Hoje mora com dois amigos em uma república no bairro de Perdizes, zona Oeste da capital. “Eu saí de casa pra estudar e vir morar sozinho em São Paulo. Eu nunca achei que ter deficiência visual devesse me impedir de fazer o que

eu quisesse”.

ACEITANDO A DEFICIÊNCIA VISUAL

Acordar e saber que perdeu a visão ou receber o diagnóstico de que alguém próximo ficou cego pode causar algumas reações como medo, angústia ou pânico. Tanto para aquele que perdeu a visão, quanto para a família, a luta para a recuperação e aceitação pode ser grande.

 

Para Nice, mãe de Eliana, receber a informação de que sua filha nasceria cega foi um choque tanto para ela quanto para seu marido, já falecido. Com o tempo, os dois perceberam que não havia outra forma além de aceitar o fato. “Eu não tenho dúvida nenhuma de que eu fiz a coisa certa em relação a ela. Quando a Eliana chegava aqui nas férias ou no final de semana ela fazia o que queria, tinha amiguinhos, então eu fui acreditando que ela é uma pessoa normal e aquilo não me fazia sofrer”,

relembra Nice.

 

João Vitor conta que, no fundo, não esperava se tornar cego, pois durante a sua infância perdeu a visão algumas vezes, mas depois de um tempo ela sempre retornava. Quando realizou o último transplante de córnea, no entanto, e percebeu que não enxergava mais, o susto foi gigante, tanto para ele como para a família. “De certa forma a gente já sabia lidar, mas minha família ficou em choque”, diz.

 

APRENDENDO A SER INDEPENDENTE

Mesmo morando com a mãe e o filho, que são videntes (nomenclatura usada para descrever uma pessoa que não possui deficiência visual), Eliana Coelho faz questão de realizar a maioria das atividades em casa. Para ela, fazer as tarefas diárias é uma realização e essas atividades a fazem querer continuar seguindo sua rotina. “É tudo muito automático, eu não enxergo desde que nasci e não tenho outro parâmetro na vida, somente esse. Mas pensando agora, eu fico muito agradecida, muito feliz em realizar minhas coisas sozinha, me sinto muito segura. Me dá a sensação de que fiz bem feito e tudo ficou bem. É importante quando a gente faz uma comida, um bolo, que as pessoas comem e gostam”, diz.

 

Por morar em uma república com amigos, João Vitor não realiza muitas atividades em casa: “Como eu divido o apartamento com outros estudantes, a gente contrata uma faxineira. Mas de vez em quando eu lavo louça e também minhas roupas”. Sua maior dificuldade é a falta de acessibilidade em alguns dos eletrodomésticos. No caso da máquina de lavar, por exemplo, ele precisou decorar a ordem e as funções dos botões, para que possa utilizá-la. Em certos casos, precisa esperar um de seus colegas chegar para ajudá-lo em tarefas aparentemente simples.

 

Assim como Eliana, João Maia realiza todas as atividades do dia a dia sozinho. Quando recebeu, já adulto, seu diagnóstico, procurou a Fundação Dorina Nowill para iniciar o processo de reabilitação. Aprendeu o sistema Braille e teve que reaprender as atividades da vida diária, por exemplo, limpar o banheiro, fazer suas refeições e varrer a casa. Maia conta que foi na Fundação que aprendeu a morar sozinho e conquistar sua autonomia.

 

O ACESSO À EDUCAÇÃO E INFORMAÇÃO

No ano passado, Maia foi convidado a ser um dos conselheiros da Fundação Dorina Nowill. A partir desse convite, percebeu ainda mais a importância da instituição, tanto no Brasil como também fora do país. “É uma das instituições mais representativas do Brasil. Sabemos que as políticas públicas para melhorar a vida das pessoas com deficiência, como reabilitar e reinserir no mercado de trabalho não são fáceis”. Na opinião dele, um dos principais papéis de uma instituição é a reabilitação dessas pessoas, crianças e adultos, fazendo com que elas exerçam os seus direitos e atuem na sociedade de maneira

produtiva e independente.

 

Além de proporcionar a reabilitação e a inclusão das pessoas com deficiência visual, a Fundação Dorina Nowill contribui com a produção de livros em Braille, em áudio e também no sistema Daisy (Digital Accessible Information System), um formato digital que permite às pessoas com dificuldade de leitura acessar um texto escrito e ouvir o material impresso. Todo o material produzido é distribuído para diversas instituições no país, além de se tornar acervo na própria Fundação para acesso

dos clientes.

Imagens de objetos e livros produzidos pela Fundação Dorina Nowill

Eliana passou sua infância no Instituto Padre Chico, localizado no bairro do Ipiranga e fundado em 1928, a partir de pedidos de senhoras da região por uma escola para cegos em São Paulo, que fosse próxima dos padrões do Instituto Benjamin Constant, localizado no Rio de Janeiro. Nos primeiros dez anos, o Instituto Padre Chico foi moldado para se tornar uma escola. 

 

Na época em que Eliana frequentou o Colégio, passava cinco dias da semana longe da família. Lá, vivia no internato onde aprendeu o sistema Braille, comportamento social e outras atividades como cuidar de uma casa e até de crianças: “tudo o que eu sei, tanto da parte didática quanto paradidática eu tive o apoio do Instituto e da minha família”, relembra.

 

Hoje rebatizado de Colégio Vicentino Padre Chico, o Instituto atende, além de crianças com deficiência visual, pessoas sem deficiência ou com outros comprometimentos (como a surdo cegueira e alguns deficientes físicos), do primeiro ao nono ano do Ensino Fundamental. Além disso, realiza outras ações com jovens, adultos e idosos, como aulas de informática e atividades da vida diária.

 

João Vitor nunca procurou instituições como o Instituto Padre Chico ou a Fundação Dorina Nowill e jamais aprendeu o Sistema Braille. Para estudar, conta que utiliza as tecnologias existentes para fazer a leitura. “Eu sou um tipo de cego que às vezes foge um pouco do padrão ou do estereótipo. Eu, particularmente, acho que o Braille já não tem mais a importância que ele tinha há um tempo. Então meu modo de leitura, por exemplo, é ‘escaneando’ os livros e artigos que eu preciso ler para a faculdade”. 

 

De fato, as tecnologias existentes hoje servem para contribuir com a independência das pessoas com deficiência e ampliar suas habilidades. Conhecidas como tecnologias “assistivas”, vão de equipamentos feitos sob medida até os fabricados em alta escala. Desde as bengalas (que possuem três cores: branca para pessoas cegas, verde para aqueles que possuem baixa visão e vermelha para surdos-cegos), até leitores de tela e teclados alternativos.

 

A professora de Língua Portuguesa do Instituto Padre Chico, Luciana Ruiz, no entanto, afirma que a instituição acredita que o Sistema Braille ainda é de extrema importância para uma criança cega, por exemplo, que está em processo de alfabetização. Desde a Educação Infantil os alunos têm a experiência com o pré-Braille, para deixá-los preparados para o Ensino Fundamental. “Sabemos da polêmica mundial que envolve o sistema, em que escolas o substituem por notebooks ou textos em áudio. Mas achamos que a leitura individual dá à pessoa com deficiência visual a dignidade de pausar uma leitura quando não compreende o trecho; de pausar quando se emociona (para rir, ou para deixar cair uma lágrima, por exemplo). Acreditamos que o sistema dá autonomia, mas também sabemos que as novas tecnologias não podem ser deixadas de lado”, conta a professora.

OBSTÁCULOS NO MEIO DO CAMINHO

Não é nada fácil para uma pessoa com deficiência conseguir um emprego, ainda mais os cegos, surdos-cegos e pessoas que possuem baixa visão. Mesmo com a Lei de Cotas promulgada em 1991, que obriga as empresas a reservarem de 2% a 5% das vagas disponíveis para pessoas com deficiência, apenas 0,9% dessa parte da população brasileira trabalha com carteira assinada.

 

João Maia e Eliana Coelho observam que nem todos estão preparados para lidar com pessoas com deficiência visual e que há falta de acessibilidade atitudinal. Essa acessibilidade refere-se aos preconceitos, estereótipos e discriminações, gerando barreiras contra as pessoas com deficiência, dificultando a interação e o convívio social.

 

A falta de acessibilidade atitudinal não existe apenas no ambiente profissional. Na vida pessoal, muitas pessoas com deficiência visual são excluídas, tratadas como “coitadinhas”. João Vitor percebe que muitas pessoas videntes acham que o cego é incapaz. “Tenho que ficar provando que eu sou bom o tempo todo, que sou competente. Já aconteceu de eu começar a falar das coisas que sei para alguém e ouvir ‘nossa, mas você é inteligente!’”.

ENTREVISTA COM AUDIODESCRIÇÃO

ENTREVISTA COM LEGENDA

A falta de preparo das pessoas em geral e a escassez de recursos acessíveis nas empresas e outros locais, sem dúvida afetam os não videntes. Por isso, muitas deles não procuram trabalho, deixam de se qualificar para o mercado ou mesmo de frequentar certos lugares, como lojas ou espaços de convivência.

 

Antes de ficar cego, João Maia trabalhava em uma empresa estatal. Ao perder a visão, foi afastado e em seguida aposentado por invalidez. Mas isso não o impediu de seguir trabalhando, por isso, fez da fotografia sua profissão. 

 

Eliana começou a buscar emprego na década de 1980, aos 21 anos. Sua procura durou um ano, até que precisou recorrer a políticos da região em que morava para conseguir uma vaga. “A sensação que eu tinha a cada ‘não’ que eu recebia, a cada vez que não dava certo era de fracasso, de ‘meu Deus, será que pra gente é mais difícil ainda?’, e claro que é, ainda mais naquela época, hoje nem tanto, por conta da Lei de Cotas”.

INCLUSÃO NAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO

Antigamente, nem todas as pessoas com deficiência visual possuíam acesso à educação de qualidade. As crianças frequentavam escolas que não tinham nenhum tipo de acessibilidade ou inclusão. Segundo Nice Coelho, mãe de Eliana, quando sua filha começou a frequentar o internato, ouvia de algumas pessoas que em outras instituições de ensino os alunos cegos eram deixados de lado. “Para eles era muito fácil ter um aluno deficiente e simplesmente dar um radinho de pilha e deixar ele lá sentado ouvindo música o tempo todo”, diz.

 

Hoje a inclusão é muito mais ampla, mas ainda sim não é perfeita. No caso das universidades, muitas delas criaram comissões de acessibilidade com alunos e professores para resolver os problemas encontrados na instituição. João Vitor faz parte do Núcleo de Acessibilidade da PUC-SP, criado há mais ou menos um ano e meio. Vitor percebeu, ao chegar à faculdade, que havia vários problemas. “Conheci outros alunos com diversos problemas, muito bravos, e eu falei ‘não, precisamos fazer alguma coisa’. Muitos tinham resistência em falar sobre isso”. 

 

Algumas instituições de ensino não aceitam as opiniões de pessoas com deficiência a respeito de problemas, principalmente quanto à infraestrutura. Por isso, estes alunos se sentem constrangidos em fazer uma nova reclamação. A partir da criação de uma comissão como a descrita por Vitor, as barreiras existentes nos campi tendem a se romper.

 

Na Universidade Cruzeiro do Sul, também em São Paulo, existe o Núcleo de Acessibilidade - NAce, que iniciou seus trabalhos em 2001. Para tratar da acessibilidade nos espaços físicos de cada um dos campi e também dos alunos com deficiência, foi criada em 2015 a Comissão de Inclusão. No ano seguinte, surgiu o Núcleo de Acessibilidade e Inclusão - NPAI, que em 2018 passou a ser o Núcleo de Acessibilidade - NAce.

 

A professora, doutora em saúde da criança e do adolescente e coordenadora do NAce, Célia Regina da Silva Rocha, conta que o Núcleo tem como objetivo a implantação da política de acessibilidade e inclusão na Universidade Cruzeiro do Sul, garantindo o acesso das pessoas com deficiência e o convívio na instituição. “Sempre acreditei na possibilidade das pessoas serem respeitadas pelo que elas realmente são, ou seja, perceber a pessoa, o ser humano que está ali na sua frente, mas para a maioria das pessoas, estar diante de alguém com deficiência é algo que amedronta e, invariavelmente, queremos fugir do problema. Com o Estatuto da Pessoa com Deficiência há a obrigatoriedade de se incluir, respeitar e dar condições de acessibilidade para este público”, diz Célia.

A AUSÊNCIA DE ACESSIBILIDADE PELA CIDADE

Um estudo realizado entre 2018 e 2019 pelo Portal Mobilize - Mobilidade Urbana Sustentável, avaliou a qualidade das calçadas de todo o Brasil, baseado em quatro pontos principais: a acessibilidade, a sinalização para pedestres, conforto para quem caminha e a segurança. Das 27 capitais, São Paulo é a melhor delas e está em primeiro lugar com a média de 6,93 de 10 no ranking geral. Na categoria rampas de acessibilidade, a capital paulista segue em primeiro, mas em regularidade do piso, vai para sétimo lugar, com todas as notas próximas de 6.

Planilha com o ranking dos 5 melhores e os 5 piores avaliados pela Mobilize Brasil. Em 1º está São Paulo, com 6,93 e em 27º está Belém com 4,52.

A partir da avaliação realizada, é possível perceber o grande problema da acessibilidade pela cidade. O excesso de lixo, calçadas pequenas, quebradas ou desniveladas afetam não só as pessoas com deficiência visual, como também os videntes e mesmo pessoas com outros tipos de deficiência.

 

Para Eliana, a maior dificuldade ainda é a mobilidade. Ela conta que seu bairro possui muitas subidas e degraus nas calçadas. “Pra andar de bengala aqui é bem complicado”, diz. João Maia também encontra essas barreiras para se deslocar pela cidade, além da ausência de semáforos sonoros e pisos táteis.

 

Apesar da Lei 10.098 de 19 de dezembro de 2000, que estabelece as normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida, a maioria das ruas da cidade de São Paulo não possui acessibilidade, por quaisquer meios ou por calçadas niveladas, o que é básico, criando diversas limitações para toda a população. 

 

A Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência (SMPED) foi criada a partir do Decreto 45.811, de 1º de abril de 2005, e oficializada com a aprovação da Lei nº 14.659, de 26 de dezembro de 2007, com a intenção de promover o protagonismo da pessoa com deficiência e a sua participação na sociedade e ser referência na criação e execução de políticas públicas a favor da acessibilidade e dos direitos da pessoa com deficiência. Tentamos contato com a Coordenação de Comunicação do local para saber sobre o trabalho realizado entre a SMPED e a Prefeitura de São Paulo para tornar a cidade mais acessível, mas não obtivemos retorno até a publicação desta reportagem.

SOMOS TODOS DEFICIENTES

A sociedade têm caracterizado como “normais” as pessoas que podem andar, enxergar, ouvir e ter todas as habilidades necessárias para raciocinar, se comunicar e aprender algo novo, quando, na verdade, esquecemos que todos nós possuímos alguma deficiência.

 

Um estudo realizado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) prevê que, em 2020, 35% da população mundial terá miopia ocular devido ao uso excessivo de aparelhos eletrônicos, chegando em 50% em 2050. A miopia faz com que a pessoa não enxergue corretamente o que está longe, deixando a visão com uma aparência turva. Essa dificuldade de enxergar afeta desde crianças até pessoas mais velhas, atrapalhando o cotidiano.

 

Outras pessoas sentem dificuldade na locomoção, como os idosos, por exemplo. Segundo o Ministério da Saúde, o Brasil tinha, em 2016, a quinta maior população idosa do mundo, com 29,6 milhões. Devido à idade, andam lentamente e, muitas vezes, com o auxílio de bengalas ou andadores. Além dessa complicação, os idosos também sofrem com a perda da audição, tanto pelo processo de envelhecimento quanto por doenças mais sérias. Até mesmo as pessoas mais novas, devido ao uso de fones de ouvido com o volume alto, podem vir a sofrer desse problema. Os dados informados pela OMS, neste ano, mostram que mais de 1 bilhão de jovens no mundo correm risco de desenvolver problemas auditivos.

 

Durante a vida sempre passamos por alguma dificuldade, seja na escola, aprendendo uma matéria nova, em uma mudança de emprego ou cargo, ou ainda em uma apresentação. Sentimos o que até poderíamos chamar de limitação, mas, mesmo assim, seguimos em frente para alcançar nossos objetivos. As limitações para as pessoas com deficiência podem parecer infinitas, porém, não as fazem deixar de praticar suas atividades. 

 

Para elas, os termos que eram usados (e são até hoje por algumas pessoas) como “portador de necessidades especiais” e “portador de deficiência”, são formas de agregar algo à pessoa, transformando sua deficiência em uma doença, em algo que a limite. Por isso, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, da Organização das Nações Unidas (ONU), decretou, em 2008, que é totalmente inadequado o termo “pessoa portadora de deficiência ou portador de deficiência” e adequando a terminologia para “pessoa com deficiência”. Mesmo assim, a melhor maneira de tratar a pessoa de forma igualitária é chamando-a pelo nome, mostrando que não há preconceitos ou barreiras, já que todos nós somos iguais.

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